Homenagem aos Cem anos de Tancredo Neves

Senhores Senadores, Senhoras Senadoras, Senhor Presidente

No dia 21 de Abril de 1985, a voz pesarosa do jornalista, amigo e colaborador  Antônio Brito enchia o Brasil de perplexidade, angustia, dúvidas e muita dor. Um sentimento de orfandade irreversível varreu todos os quadrantes do País num coro triste e melancólico. Poucas vezes uma Nação chorou tanto a perda de um líder.
Uma nação inteira perdeu naquele fatídico dia não apenas o líder, um presidente civil que retornava ao poder após o golpe de 64, mas perdeu uma referência de civismo, uma promessa de liberdade, uma crença nas mudanças tão aguardadas.

 

 Perdemos naquele dia o sonho de várias gerações que se acumulavam em frustrações e desmandos dos governos inflexíveis da ditadura. Uma névoa encobriu o Brasil e o mergulhou em uma tristeza pesada, sofrida, que demorou para passar e até hoje ainda provoca um nó em nossas gargantas. Perdemos naquele dia a esperança que ele próprio definiu assim: “a esperança é o único patrimônio dos deserdados, e é a ela que recorrem as nações ao ressurgirem dos desastres históricos”. Naquele momento, nós vínhamos de um desastre histórico e nos deparamos com a morte de nossa esperança.
Mas “morrem cedo aqueles que os Deuses querem bem”, como bem expressou o poeta Fernando Pessoa. A tragédia do Doutor Tancredo, se assim me permitem citá-lo, talvez tenha sido a mais didática para o aprendizado de toda uma Nação.
A partir dos valores dele, de sua formação intelectual e política, seus ensinamentos, sua retidão, enfim, a partir dali, o estilo único de Tancredo Neves, foi compreendido como a mais adequado ao nosso País naquele momento e, dessa forma, pôde ser melhor assimilado.
Aquele jeito matreiro, o manejo gentil com as pessoas, a irreverência, o humor mordaz, a lealdade e a inteligência aguda acabaram por traçar o perfil ideal de um homem público. Bons mestres não faltaram ao aplicado discípulo, entre eles Benedito Valadares, Juscelino Kubstcheck e Getúlio Vargas.
Recém chegado ao Congresso, como Deputado Federal em 1983, ficava intrigado com o talento do Doutor Tancredo. Ficava me perguntando:

Como um homem que viveu boa parte de sua vida pública na contra-mão, fazendo oposição, conseguia ser tão conciliador e pregar a concórdia até entre seus adversários? Para tentar explicar como conseguia ser firme na oposicão, mas sem confrontar ou brigar, ele mesmo dizia: “Não são os homens, mas a idéias que brigam”.
No início da carreira sua idéias brigavam com as idéias  do presidente Artur Bernardes. Lá na infância do PSD sua idéias se opunham às do governador mineiro Milton Campos. Depois de um curto período como Ministro da Justiça de Getúlio em 53 foi empurrado para oposição às idéias de Café Filho, após o suicídio e a carta-testamento que ele próprio recebeu das mãos de Getúlio. 
A eleição do amigo Juscelino o trouxe de volta à situação em cargos como diretor do Banco do Brasil e presidente do BNDEs.
Mas o destino lhe reservara postos mais ilustres – ainda que efêmeros – como foi o cargo de primeiro ministro na era João Goulart na precoce experiência parlamentarista que o Brasil viveu antes do golpe militar.

Suas frases conseguiam a proeza de, maliciosamente, sintetizar seu pensamento e conjugá-lo com seu comportamento. A frase logo após sua escolha como primeiro-ministro é emblemática do temperamento dele: “O meu será um governo de centro, com tendências para esquerda conservadora”.
No retorno ao Parlamento, à Câmara dos Deputados, seu temperamento de oposicionista moderado e a prudência foram pavimentando, gradualmente, seu caminho até a presidência da República.
Nos caminhos que trilhou foi espalhando ensinamentos políticos e administrativos, sempre muito valiosos. Dizia ele sobre seus rumos ideológicos: “Para esquerda eu não vou, não adianta empurrar”.

 Mas ele foi empurrado para lá. Com a violência do bipartidarismo imposto pelo regime, Tancredo foi empurrado  para o MDB, que se não era de esquerda, albergava comunistas, trotskistas, maoístas e toda gama de esquerdistas. Ele recusou polidamente a Arena e filiou-se ao MDB, coabitado por autênticos e moderados. Dizia ele, bem humorado, sobre aquela frente e seus múltiplos matizes ideológicos: “O meu MDB não é o MDB do senhor Arraes e o MDB do senhor Arraes não é o meu, e nós dois sabemos disso há muito tempo”.
Eleito Senador por Minas em 78 aglutinou os moderados da Arena e do MDB e fundou o PP, o partido Popular que, pouco tempo depois foi fundido com o PMDB e por onde Tancredo Neves foi eleito governador de Minas em 1982. De seu discurso de posse no Palácio da Liberdade nasceu uma de suas frases mais célebres: “Mineiros, o primeiro compromisso de Minas é com a liberdade”. Mesmo recém-eleito lá estava ele, novamente,  pregando liberdade na oposição ao regime que solapou direitos políticos e sociais.
Daí em diante a história e a trajetória de Tancredo Neves é mais viva em nossa memória. Dois anos após sua posse as ruas foram invadidas pelo movimento das Diretas-Já que uniu os partidos políticos de oposição e toda sociedade no coro uníssono: “eu quero votar para presidente”.

Dizia ele então outra pérola de seu breviário: “A campanha pelas diretas é necessária, porém ela é lírica”. Apesar das massas e do lirismo, a emenda das Diretas-Já, do também saudoso Dante de Oliveira, foi derrotada. Tancredo Neves, então, foi escolhido pelas oposições, sempre sob o comando solidário de outro Doutor, o Doutor Ulysses, para ser o candidato à Presidência e o nosso Presidente José Sarney, teve a honra de integrar a chapa como vice.
Sobre a candidatura indireta, o próprio Tancredo ficava contrariado: “É tapar o nariz com o lenço e ir ao Colégio Eleitoral, se isso for necessário. Pode ser ruim, mas não ir pode ser péssimo”. Tinha razão, mais uma vez. Sem eles seria péssimo.

No dia 15 de janeiro de 1985 a chapa da Aliança Democrática, Tancredo Neves e José Sarney venceu a disputa no Colégio Eleitoral por 480 votos contra 180 dados ao candidato do governo. Sem dúvida foi uma operação política de alta complexidade que levou a derrota do candidato do governo em seu campo mais confortável, que era o Colégio Eleitoral. Sobre seu adversário de então Tancredo brincava: “Até agora ele só enfrentou amadores, não enfrentou ninguém profissional”.
Eleito, o profissional Tancredo cravou uma sentença histórica que era o desabafo de uma Nação: “Esta foi a última eleição indireta do País”. Graças ele e a seus sucessores aquela obscenidade eleitoral não existe mais e o Brasil mudou muito porque eles resolveram ir ao Colégio Eleitoral, felizmente. 

Desde então, enfrentamos nossas mazelas, redistribuímos renda, estamos gradualmente recuperando dívidas sociais seculares, a democracia já passou por duros testes e está consolidada, o País se agigante diante do mundo e, com uma economia organizada e sólida, vamos, rapidamente, ao encontro de nossa maior vocação que é o crescimento econômico e justiça social.
Senhores, Senhoras,
É impossível, governador Aécio Neves, falar da comoção nacional – mais de 2 milhões de brasileiros pelas ruas de Brasília, São Paulo, Belo Horizonte e São João Del Rey -; é impossível falar daquele período sem mencionar o Presidente José Sarney, que honrou, um a um, todos os compromissos firmados por Tancredo Neves com a Nação e patrocinou a redemocratização do País.

Um presidente colhido pela surpresa,  entristecido pela tragédia,  solidário com sentimento de perda de uma Nação que ajudou a nos trazer até aqui com competência, segurança, correção, firmeza e desassombro.
Um presidente que teve coragem de mudar, que convocou eleições para prefeituras depois de 20 anos de nomeações; que reabriu nossa alma para cidadania; que convocou uma Constituinte quando ela, todos sabiam, iria subtrair poderes do Executivo; o Presidente que decretou a morte da censura; que consolidou a democracia; que legalizou partidos proscritos e clandestinos;
O presidente que reorientou o País para os direitos e garantias mais elementares e com o qual ainda temos o privilégio de conviver e aprender.
Ventura que, infelizmente, Deus assim não o quis, não tivemos com Doutor Tancredo.
Para não me estender, gostaria de encerrar dizendo que a trajetória de Tancredo Neves, seus ensinamentos, suas experiências são fontes permanentes de renovação e aprendizado. Sua morte precoce nos entristeceu muito, mas na sua vida infinita encontramos razões para alegrar a todos nós e também as futuras gerações.
Gostaria de finalizar fazendo uma homenagem a Minas Gerais, à toda família do Doutor Tancredo, na figura do governador Aécio Neves, que na sua competência tão mineira vem honrando, respeitando e multiplicando os melhores valores de seu avô, o inesquecível Tancredo Neves, a quem esta Nação ainda não reverenciou adequadamente.
Obrigado!

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