CANTILENA DE TERCEIROS

O SR. RENAN CALHEIROS (PMDB – AL) – Venho a este Plenário para comunicar a Vossas Excelências que apresentei defesa preliminar em relação à denúncia, sem substância, versando sobre a surrada cantilena de terceiros falando em meu nome para obter vantagens, devolvida pelo saudoso Ministro TEORI ZAVASCKI no mesmo dia em que lhe foi entregue pelo Ministério Público.

O inquérito e o pedido de instauração do processo criminal são aberrações jurídicas. O inquérito nasceu independente, depois foi juntado a outro, como medida indispensável.

Arquivado o inquérito originário, foi requerido o desmembramento das investigações, antes considerado inoportuno, em dois novos procedimentos autônomos. Iniciadas em março de 2015, as investigações foram prorrogadas várias vezes, sem que fosse produzida nenhuma prova da acusação, nem mesmo a mais tênue.

A denúncia foi oferecida pelo Ministério Público em 12 de dezembro de 2016, quando os autos do inquérito estavam com a Polícia Federal e corria prazo para diligências requeridas pelo próprio Procurador-Geral da República para elucidação dos fatos, conforme o Ministro TEORI ZAVASCKI assinalou ao devolver a petição.

Fica a dúvida se a denúncia sabidamente capenga não teve apenas o objetivo de alimentar a tensão política e desgastar o Poder Legislativo.
Especialmente se formos levar em consideração que em pelo menos três casos idênticos, com elementos informativos insubsistentes e apenas palavra do delator, foi acertadamente determinado o arquivamento das investigações.

Denúncia precária e pedido de abertura de novos inquéritos surgem exatamente quando o Congresso Nacional se debruça sobre o projeto de lei que pune o abuso de autoridade e busca soluções para a sangria salarial provocada pelos auxílios inconstitucionais auferidos pelos membros do Ministério Público.
São iniquidades contra o Parlamento.

Semana passada, impulsionadas por mais um vazamento criminoso, tornaram-se públicas as delações de mais de setenta executivos da ODEBRETCHT, cujas palavras foram tomadas como ouro em pó e divulgadas com verdadeiro frisson pelo suplício público imposto à política.
Essas exorbitâncias acontecem porque o delator, para se livrar da prisão e auferir regalias, sucumbe às pressões para relacionar políticos como beneficiários de vantagens indevidas.

Assim, tem bastado ao Ministério Público para acusar, lançando dezenas de parlamentares na vala comum da corrupção, que o criminoso, acuado, cite os nomes desejados e como recompensa abiscoite isenção de penas e regularize o patrimônio roubado.

O perfil político e ideológico imposto pelo Ministério Público Federal nessas apurações tem ficado evidente. Na segunda-feira, dia 17 de abril, a Folha de São Paulo noticiou a tensão entre a Procuradoria da República e a Polícia Federal, que vê seletividade nas delações.
A insatisfação da Polícia Federal estaria na escolha, pelo Ministério Púbico, dos delatados que vão sangrar em praça pública, mesmo diante de informações que contradizem a narrativa do delator.

Em entrevista concedida à Revista Veja, em 18 de janeiro deste ano, ninguém menos do que o coordenador da Operação Lava Jato no âmbito da Polícia Federal apontou a existência de delações sem embasamentos jurídicos sustentáveis, citando especificamente as colaborações de NESTOR CERVERÓ, DELCÍDIO DO AMARAL e SÉRGIO MACHADO, que não passariam de “disse me disse”.

Comprovando a linha ideológica e o projeto de poder do Ministério Público, divulgou-se ontem na internet vídeo em que um trio de procuradores tenta interferir nos trabalhos da Comissão de Constituição e Justiça, deformando a realidade e confundindo a população acerca do teor do projeto de lei que versa sobre abuso de autoridade, causando perplexidade ao Senador ROBERTO REQUIÃO.

Aliás, um desses personagens que aparece no vídeo, em 2003 foi acusado de atrapalhar as investigações do BANESTADO.
Às vezes tem-se a impressão de que há somente acusadores, esquecidos de que não existe caneta maior do que lei, nem toga superior à Constituição.
Numa macabra coincidência, vivenciamos na atualidade práticas que remontam à Inquisição e ao nazismo.

Sem fazer referência à célebre operação policial, o eminente Ministro MARCO AURÉLIO afirmou, em palestra que pronunciou no dia 12 de agosto de 2016, no 7º Congresso Brasileiro de Sociedades de Advogados, em São Paulo:
“Acima de tudo, a delação tem que ser um ato espontâneo. Não cabe prender uma pessoa para fragilizá-la para obter a delação. A colaboração, na busca da verdade real, deve ser espontânea, uma colaboração daquele que cometeu um crime e se arrependeu”.

Tenho verificado que as delações, em sua maioria, padecem de vício de origem, ou seja, não são propriamente espontâneas.
No registro audiovisual do depoimento do delator CLÁUDIO MELO, ao qual tive acesso pela internet, observa-se com nitidez a insistência para vincular o meu nome a alguma ilegalidade. Como nada tinha para contar de criminoso, simplesmente declarou ter entendido que terceiros falavam em meu nome, coisa que nunca autorizei ou consenti.

Afirmo e reafirmo que tenho plena consciência da dimensão da importância e das responsabilidades do trabalho legislativo e minha atuação parlamentar sempre foi dirigida ao interesse público e em defesa de Alagoas.

No inquérito em que foi oferecida a denúncia, tratando de doações – jamais existentes – da SERVENG para minha campanha em 2010, há graves omissões nos termos de declarações quando comparados com o registro audiovisual.

O próprio delator afirma que não tratou de percentuais nem tem conhecimento, informação ou comprovação de repasses de valores ou pagamento de propina e nem tem conhecimento ou sabe se algum valor me foi destinado.

Além disso, a empresa nega as doações, o deputado nega ter falado em meu nome, o diretor da empresa garante que não fui referido em nenhuma reunião. Esse cenário, antes de justificar a instauração do inquérito, seria motivo para o seu arquivamento.

Mesmo assim veio a denúncia sem pé nem cabeça, devolvida pelo Ministro TEORI ZAVASCKI.
Também identifiquei fatos preocupantes no registro audiovisual correspondente ao termo de colaboração de outro delator.
Durante o interrogatório, depois de falar o nome de cinco senadores, pressionando o delator para indicar um deles, sem obter sucesso, o procurador determinou: “bota os cinco e diz que foi um deles, se o senhor depois lembrar fala para a gente”.

O ilustre Ministro MARCO AURÉLIO assinalou que a detenção cautelar é exceção, mas as prisões preventivas sem prazo têm sido decretadas como regra, advertindo: “nós não podemos viver um período de caça às bruxas, de inquisição”.

Conta-se que, nos idos de 1200, um inquisidor chamado CONRAD TORS ia de cidade a cidade, na Alemanha, condenando e queimando pessoas em grosso e no varejo, declarando abertamente que “eu queimaria cem inocentes se houvesse um culpado entre eles”.
Historiadores narram que as pessoas usavam “o aparato da Inquisição para acertar velhas contas” e que “qualquer um podia denunciar outros e o ônus da justificação ficava com o acusado”.

Em abril de 1482, o Papa Sixto IV, querendo colocar ordem na casa, emitiu uma Bula reconhecendo que “muitos autênticos e fiéis cristãos, com base em testemunhos de inimigos rivais escravos foram, sem qualquer prova legítima metidos em prisões seculares, torturados e condenados” e revogou todos os poderes confiados à Inquisição.

Ameaçado por um rei, o Papa capitulou estabelecendo um conselho que funcionou como autoridade última da Inquisição. Para chefiá-lo foi nomeado TOMÁS DE TORQUEMADA, que quatro séculos mais tarde inspirou o Grande Inquisidor, personagem de DOSTOIÉVSKI em Os irmãos Karamazóv, considerada uma das mais importantes obras da literatura mundial.

Quando outro Papa tentou restringir o uso da tortura, o argumento usado para demovê-lo foi que a eficiência da Inquisição seria prejudicada seriamente.
LENIO STRECK, advogado e membro da Academia Brasileira de Direito Constitucional, bem resume o cenário criado pela Operação Lava Jato, em alguns casos, em detrimento das garantias constitucionais:
“A Lava Jato já é um enunciado performativo. Virou uma marca. Ou uma série de TV. Está se criando um clima com o objetivo de constranger qualquer tribunal superior que venha a reconhecer alguma irregularidade ou nulidade nos processos em favor dos acusados”.

Presenciamos o envenenamento da democracia pelo açodamento em desmoralizar homens públicos, condenados antes mesmo do processo se instaurar, afrontando o poder eleito.

Este é o grande engodo das cruzadas moralistas. A generalização deixa marcas em inocentes e os abusos soterram direitos fundamentais.
Faço referência ao lúcido editorial do Estadão, publicado na data de 18 de abril, sob o título “generalização perigosa”, do qual cito os seguintes trechos:
“Generalizar condutas, como se todas tivessem a mesma gravidade, é a negação do processo penal, cuja finalidade é justamente identificar, com provas, as condutas e seus autores”.

“É, portanto, deletério chamar tudo genericamente de propina. Por dar a entender, mesmo sem provas concretas, que todo mundo envolvido nessas doações é culpado, esse modo de proceder fere o princípio da presunção de inocência”.

O arrastão urdido para desmoralizar homens públicos serve-se da insinuação maliciosa, das inculpações precárias e de acusações débeis. Daí, pela força da repetição, adquirem um verniz de verdade, ressuscitando uma prática batizada de “fabricação do consentimento”.

Primeiro há uma decisão sobre o que fazer: pode ser um golpe, uma perseguição moral ou um linchamento ou até mesmo um produto a ser consumido. Depois adota-se propaganda em massa para obter concordância da opinião pública, manipulando sentimentos e utilizando truques e técnicas de persuasão.

Por essas e outras, devemos estar atentos para o uso da “imprensa amiga” com o objetivo de influenciar o Poder Judiciário. Sobre isso escreveu o magistrado francês ANTOINE GARAPON:
“Alguns indivíduos aproveitam a mídia para se emancipar de qualquer tutela hierárquica. Ela lhes oferece um acesso direto, conforme expressão de Perelman, ao ‘auditório universal’, quer dizer, à opinião pública”.

Aproveito para comunicar ao Plenário que estou executando a decisão que condenou a Revista Veja a me pagar pelos danos morais que causou. Informo que também solicitei aos meus advogados para ingressar com ação reparatória pelas mentiras e xingamentos disparados no rádio e nas redes socais contra mim.
Triste do país onde o ofício de justiceiro é laureado. Foi assim na França, entre 1792 e 1793, quando a Constituição foi suspensa e os jacobinos e ROBESPIERRE, chamado de “o incorruptível”, praticaram atrocidades com a prestimosa ajuda do Comitê de Salvação Pública e do Tribunal Revolucionário.
A política exige reflexão, responsabilidade e altivez. Os eleitos pela sociedade para representá-la não podem se transformar em uma manada tangida pelo medo e subjugada pela publicidade negativa.

Existe um movimento direcionado para empurrar a representação popular para um gueto. O gueto dos imorais, sob os aplausos dos inocentes, dos desinformados e da má-fé. Com essas mesmas práticas entronizaram o nazismo.
Inexplicável que estejamos convivendo o envenenamento da democracia, procedimentos sumários, midiáticos, sanhas acusatórias, obsessão por destruir um poder eleito e avidez para condenar antes do processo.

Caminhamos a passos largos para a criminalização partidária. Os alvos agora são os partidos políticos, demonizados pelo Ministério Público. Ao Estadão este aspecto não passou despercebido. Está no editorial:
“Como alguns procuradores rapidamente perceberam, incriminar todas as doações tem também reflexos diretos sobre a política e pode, em último termo, levar a uma devastação dos partidos políticos”.

“O que deveria ser ocasião para extremar a prudência, identificando com maior rigor cada conduta, foi motivo para que alguns – essa é a impressão que dão – se sentissem desobrigados de identificar as condutas. Com essa generalização, estariam sendo apartidários, dizem”.
“Ora, seu trabalho, pago pela sociedade, deve ser guiado pela lei, e não por opiniões políticas”.
E aproveitando o parâmetro que insistentemente fazem com a Operação Mãos Limpas, é bom lembrar que ela exterminou os quatro maiores partidos políticos da Itália. Preservou, no entanto, o Partido Fascista.

É preciso ter cuidado com o que importamos de outros países. ANTONIO DI PIETRO, o juiz que comandou a Operação Mãos Limpas e veio dar lição de moral no Brasil, abandonou a magistratura, criou um partido e virou deputado.
Exaltado como exemplo do combate à corrupção, DI PIETRO foi condenado em setembro do ano passado pelo Tribunal de Roma por ter arrecadado indevidamente fundos eleitorais.

O momento histórico pede equilíbrio e serenidade. Devemos usar – e digo isso com humildade – nossas melhores energias para agendas positivas e o enfrentamento dos graves problemas sociais, políticos e econômicos do Brasil.
O caminho para o paraíso não é fácil. Precisamos da união de esforços, respeito mútuo e profissão de fé no ser-humano para ultrapassar essa tormenta, com as reformas necessárias à recuperação da economia. O caos e a criminalização da atividade política não ajudam a estabelecer a verdade nem a superar dificuldades.

Encerro, agradecendo a paciência de Vossas Excelências, lembrando da lição de PONTES DE MIRANDA, para quem, no Estado Democrático de Direito, os partidos políticos são os olhos do poder e “enfraquecê-los implica combater a própria democracia e quando se combate a democracia, também se atua, ainda que não se diga, contra a liberdade”.

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