O jurista e jornalista Rui Barbosa, em uma conferência sobre a Imprensa e o Dever da Verdade editada na década de 20, afirmou que “a imprensa é a vista da Nação. Uma vida sem vista, é uma vida no escuro, é a morte em vida”. A imprensa livre, democrática e compromissada com a ética é a garantia de uma sociedade suficientemente informada para formar opiniões e julgamentos justos.
O compromisso de informar é irmão siamês da responsabilidade. E responsabilidade caminha necessariamente atrelada a um jornalismo sério, livre e ciente de que o princípio de pesos e medidas deve nortear a forma como os fatos são abordados.
Rui Barbosa alertou que quando a imprensa falha, “em vez de ser os olhos, por onde se lhe exerce a visão, ou o cristal, que lha clareia, é a obscuridade, onde se perde, obstando-lhe a notícia da realidade, ou não lha deixando senão adulterada, invertida, enganosa”.
Nas últimas semanas, vivi as consequências de algumas dessas falhas. Por força de mais um vazamento criminoso ao longo das investigações da Lava Jato, foram tornadas públicas as delações de mais de setenta executivos da Odebretcht, cujas palavras criaram uma tormenta no noticiário e uma criminalização da política, sem distinções e contrapesos.
Meu nome aparece em alguns desses depoimentos. E isso foi exaustivamente lembrado pela imprensa. Algo comum para um homem público, não fosse a abordagem seletiva feita por setores da imprensa, omitindo o contexto em que os delatores se referiam a mim.
A ressalva de que nunca fui a encontros e que não trataram absolutamente nada comigo aparece inúmeras vezes nos depoimentos gravados, mas não nas reportagens sobre o assunto ou nos trechos selecionados para
divulgação. É preciso assistir a todos os registros audiovisuais disponíveis para contextualizar as citações corretamente.
Além disso, há ainda uma tentativa desesperada dos delatores –que tentam auferir regalias -, em fazer conexões absurdas entre atuação parlamentar e o financiamento legal das campanhas políticas. Um exemplo disso é a relação
entre meu apoio à MP 579/12, que estendia o prazo de fornecimento de energia para as empresas eletrointensivas do Nordeste, e a doação eleitoral feita para a campanha do governador Renan Filho dois anos depois.
Apoiei a proposta porque o aumento do custo energético poderia fechar empresas, aumentar o desemprego e reduzir a arrecadação dos estados nordestinos. Como senador, é meu dever atuar em defesa dos interesses de Alagoas e do Nordeste e foi isso que fiz. A proposta foi aprovada em 18 de dezembro de 2012 pelo Senado.
Em 2014, o então deputado federal Renan Filho foi candidato ao governo e recebeu doações para a campanha de algumas empresas, entre elas, a Braskem. Uma doação legal, declarada, como prevê a Lei Eleitoral. Que relação teria isso com meu apoio, anos antes, a uma proposta que interessava ao meu Estado? Para qualquer pessoa disposta a estabelecer a conexão de fatos, fica evidente que não há relação alguma. Mesmo assim, serei investigado por isso.
Em outros casos em que meu nome aparece, os delatores fazem apenas deduções. Dizem “ter entendido” que terceiros falavam e negociavam em meu nome e, por isso, “teriam concluído” que eu seria beneficiário de repasses ilegais. Percebo que há graves omissões nos termos de declarações, quando comparados ao teor integral do que os delatores dizem sobre mim.
Se a imprensa é, como bem disse Rui Barbosa, a vista da Nação, não dá para negar o fato de que a sociedade tem enxergado a política de forma turva e generalizada. Quem ganhará com isso?
*Renan Calheiros é líder do PMDB no Senado