Eleito presidente da República pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, Tancredo morreu antes de assumir, acabando com a esperança dos brasileiros
Na sessão solene do Congresso para celebrar o centenário de nascimento de Tancredo Neves, ontem, o senador Renan Calheiros, líder do PMDB, lembrou o fatídico dia 21 de abril de 1985, quando a nação inteira chorou a perda de um líder que levou consigo o sonho de várias gerações que se acumulavam em frustrações e desmandos dos governos inflexíveis da ditadura instalada no país.
“O anuncio de sua morte marcou um sentimento de orfandade irreversível, varreu todos os quadrantes do País num coro triste e melancólico. Perdíamos não apenas um líder, um presidente civil que retornava ao poder após o golpe de 64, mas também uma referência de civismo, uma promessa de liberdade, uma crença nas mudanças tão aguardadas”, disse Renan.
Para o líder do PMDB, a morte de Tancredo foi como uma névoa que encobriu o Brasil e o mergulhou em uma tristeza pesada, sofrida, que demorou a passar e até hoje ainda provoca um nó na garganta dos brasileiros.
“A esperança é o único patrimônio dos deserdados, e é a ela que recorrem às nações ao ressurgirem dos desastres históricos. Era assim que o Doutor Tancredo definia a esperança que ele simbolizava e que fez encher de ânimo a alma de uma nação que naquele momento vinha de um desastre histórico e, lamentavelmente, deparou-se com a sua morte”.
Aprendizado
A tragédia do dia 21 de abril de 1985, segundo Renan, talvez tenha sido a mais didática para o aprendizado de uma nação. “A partir dos seus valores, sua formação intelectual e política, seus ensinamentos e sua retidão, enfim, o estilo único de Tancredo Neves foi compreendido como o mais adequado ao nosso País naquele momento e, dessa forma, pôde ser mais bem assimilado”.
O líder do PMDB lembrou ainda em seu discurso o jeito matreiro, o manejo gentil com as pessoas, a irreverência, o humor mordaz, a lealdade e a inteligência aguda de Tancredo, que acabaram por traçar o perfil ideal de um homem público. “Bons mestres não faltaram ao aplicado discípulo, entre eles Benedito Valadares, Juscelino Kubstcheck e Getúlio Vargas”, concluiu o senador.
Presença
A sessão solene do Congresso contou com a participação do governador de Minas Gerais e neto de Tancredo, Aécio Neves; do governador de São Paulo, José Serra; e do presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, além de parlamentares e familiares do político mineiro, que morreu em 1985. Na abertura da sessão, a cantora Fafá de Belém interpretou o Hino Nacional.
A sessão foi presidida pelo presidente do Senado, José Sarney, que, em 1985, se elegeu vice-presidente da República na chapa de Tancredo Neves e assumiu a presidência em seu lugar.
Na homenagem, da mesma forma que o senador Renan Calheiros, deputados e senadores lembraram a trajetória política do mineiro de São João Del Rei, em especial sua participação no turbulento período que marcou o fim da ditadura militar e o processo de redemocratização do país.
Tendo José Sarney como vice, Tancredo de Almeida Neves foi eleito presidente da República pelo Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985. Na véspera de tomar posse, em 14 de março daquele ano, Tancredo foi internado em estado grave e o vice-presidente José Sarney assumiu o cargo. Depois de ser submetido a sete cirurgias – duas realizadas em Brasília e outras cinco em São Paulo -, o político mineiro morreu, no dia 21 de abril de 1985, na capital paulista.
A eleição de Tancredo marcou o rompimento de quase 21 anos de regime militar no país, que teve início em 31 de março de 1964. A chapa de Tancredo e Sarney, denominada Aliança Democrática, foi formada após a derrota da emenda Dante de Oliveira no Congresso, em abril de 1984, que previa eleições diretas para presidente da República.
Nascimento
Nascido em 4 de março de 1910, o advogado Tancredo Neves ingressou na política por meio do Partido Progressista, pelo qual foi eleito vereador em sua cidade natal, em 1935, cargo que exerceu até 1937. Posteriormente, elegeu-se deputado estadual e deputado federal pelo PSD (Partido Social Democrático), cargos que ocupou, respectivamente, de 1947 a 1950 e de 1951 a 1953.
Em 1953, Tancredo foi ministro da Justiça e também ministro de Negócios Interiores. Em 1954, foi eleito novamente deputado federal, ficando no cargo por um ano. Foi também diretor do Banco de Crédito Real de Minas Gerais (1955) e da Carteira de Redescontos do Banco do Brasil (1956-1958). De 1958 a 1960, assumiu a Secretaria de Finanças de Minas Gerais.
MDB
Com a instauração do regime parlamentarista, após a renúncia de Jânio Quadros, Tancredo foi nomeado primeiro-ministro, cargo que ocupou no período de 1961 a 1962. Em 1963, voltou a ser eleito deputado federal e foi um dos líderes do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido criado em 27 de outubro de 1965, a partir do Ato Institucional 2. Esse ato decretou a extinção de todos os partidos políticos então existentes e instituiu o bipartidarismo, representado pelo MDB e pela Arena (Aliança Renovadora Nacional).
Entre 1963 e 1979, Tancredo foi reeleito deputado federal seguidas vezes. Em 1978, após a volta do pluripartidarismo, Tancredo foi senador pelo MDB e fundou o PP (Partido Popular). Em 1983, deixou o PP e ingressou no PMDB, pelo qual foi eleito governador de Minas Gerais (1983-1984).
Foi durante esse período, de grande mobilização política em defesa de eleições diretas para presidente, que se consolidou a candidatura de Tancredo Neves para representar a coligação dos partidos de oposição ao governo, reunidos na Aliança Democrática.
Tancredo era um oposicionista ao regime autoritário, porém conciliador de linha moderada e formação liberal. Devido a sua história política e por ser um conciliador, era aceito pelos militares, sem risco de retrocesso político.
Polêmica
A doença de Tancredo foi tema polêmico mesmo depois de sua morte. Os diferentes diagnósticos divulgados desde sua internação – apendicite, diverticulite e infecção hospitalar – foram, após sua morte, seguidos de especulações quanto à existência de um tumor benigno (leiomioma).
Essa falta de clareza nas informações se explica pela situação política da época – havia ainda o receio de que a doença de Tancredo Neves comprometesse a transição para o regime democrático e levasse o país de volta ao controle dos militares. Segundo depoimento do governador de Minas Gerais, Aécio Neves – neto e então secretário particular de Tancredo – e também do historiador e ex-ministro Ronaldo Costa Couto, temia-se que a verdade sobre a saúde de Tancredo impedisse a posse de José Sarney.